Elisabete Paiva, Diretora Artística
As pessoas e as coisas só existem porque estão separadas.
Para as amar e conhecer é preciso percorrer as distâncias entre elas.
Estas palavras inscreveram-se na minha memória há quase 20 anos, e continuam a ecoar com sentido. A separação entendida não como limite, mas como possibilidade de contínuos movimentos relacionais entre aqueles que, sendo diferentes, se desejam, é uma ideia que abre vastas possibilidades.
A certeza da separação, do princípio de individuação de cada coisa, no entanto, não parece tão clara no tempo da globalização. Transações intensas e generalizadas em todos os campos, do comércio ao conhecimento, caracterizam este tempo que com grande incerteza procuramos habitar. Um tempo de intensas e velozes transformações, em que algumas distâncias são vencidas tão rapidamente que se cria a ilusão de que algumas coisas são a mesma coisa. Mas não são.
Em 2017, inspirados no binómio Transações/Transformações, questionamo-nos sobre que ideias, meios e bens foram efetivamente globalizados, que conceção de mundo e de desenvolvimento. O conhecimento é declinado e difundido na sua diversidade? Que papel desempenha a política cultural neste campo e que margem de independência mantém face ao mercado e à consensualização de uma certa ideia de acesso? Como têm mudado os modos de colaboração entre artistas e programadores e que efeitos estas transformações têm sobre a vida cultural de diferentes comunidades? O que têm a dizer os artistas com os seus olhares singulares sobre este mundo em movimento acelerado? O que têm a dizer os espectadores, amantes da esperança de ver no escuro?
Desde 2009, o Festival Materiais Diversos afirmou-se como lugar de encontros, ligando pontos ainda não unidos e propondo novos padrões de relação com as artes nas localidades de Minde, Alcanena, Cartaxo e, até 2016, Torres Novas. Em 2017, estamos mais conscientes da independência de espírito que deve caracterizar o trabalho de programação e também da reciprocidade necessária às parcerias que construimos, sem as quais não haveria razão ou suporte para percorrer algumas distâncias.
Enquanto festival com centro numa periferia, as nossas intenções não passam por colonizar as comunidades com quem trabalhamos com aquilo que vem de um centro, mas por contribuir para a fundação de novos centros, donde novos olhares e novas formas de fazer e de pensar possam também emergir. Assim, programar/ criar/ ver no teatro não é o mesmo que programar/ criar/ ver na fábrica, nem ver/ criar/ programar em Minde é o mesmo que ver/ criar/ programar em Lisboa, ou em Bruxelas, ou no Cairo, ou em Santiago do Chile.
Na seleção apresentada este ano destacam-se as duplas de artistas, os coletivos e as criações para/ com grupos, mas predomina sobretudo uma vontade de interpelação aos espectadores que todos somos e aos lugares onde/ donde vemos os espetáculos. Separados pela condição temporária, e intermutável, de ver ou de fazer, encontramo-nos na esperança de partilhar o mundo imaginado, entre entendimentos e diferendos, para nos transformarmos, em ambos os sentidos e em novas direções.
A todos os que dão corpo e sentido a este festival, sejam bem-vindos!
Elisabete Paiva, Artistic Director
People and things only exist because they are separate.
To love them and know them, it is necessary to travel the distance between them.
These words have been inscribed in my memory for almost 20 years, and they continue to echo with meaning. Separation, understood not as a limitation but as a possibility for continuous relational movements between people and things that desire each other although they are different, is an idea that opens up vast possibilities.
The certainty of separation – the principle of individualisation of each thing – is not so clear in the era of globalisation. Intense and generalised transactions in all fields, from commerce to knowledge, characterise this time of great uncertainty that we attempt to inhabit. A time of intense and rapid transformations, in which some distances are conquered so quickly that it creates the illusion that some things are all the same. But they aren’t.
In 2017, inspired by the binomial Transactions/Transformations, we ask ourselves what ideas, means, and goods – what concept of the world and of development – have actually been globalised. Is knowledge conjugated and disseminated in all of its diversity? What role do cultural policies play in this field, and what degree of independence do they have vis-à-vis the market and the consensus around a certain idea of access? How have the modes of collaboration between artists and programmers changed, and what effects have these transformations had on the cultural life of different communities? What do artists, with their singular perspectives, have to say about this world in accelerated movement? What say the audiences, with their fond hope of seeing in the dark?
Since 2009, Festival Materiais Diversos has affirmed itself as a meeting place that brings together unconnected points and proposes new patterns of relationing to the arts in Minde, Alcanena, Cartaxo, and until 2016, Torres Novas. In 2017, we are more conscious of the independence of spirit that should characterise the work of programming, and also of the necessary reciprocity in the partnerships we build, without which there is no reason or support to travel certain distances.
As a festival centred in a periphery, our intention is not to colonise communities with what comes from a centre, but to contribute to the creation of new centres, where new ways of doing and thinking can emerge. Programming/creating/seeing in the theatre is not the same as programming/creating/seeing in the factory; nor is programming/creating/seeing in Minde the same as programming/creating/seeing in Lisbon, or in Brussels, or in Cairo, or in Santiago de Chile.
In this year’s selection, the work of artistic duos, collectives, and pieces for/with groups stands out, but what really predominates is a desire to address the audience member in each of us and question the places (from) where we see the performances. Separated by the temporary and interchangeable condition of seeing or doing, we meet in the hope of sharing an imagined world, between ententes and differences, to transform, in both ways and in new directions.
To all who embody and give meaning to this festival, welcome!